Ao longo dos anos o socorro pré-hospitalar sempre foi entendido como o parente pobre da saúde, existindo um completo desinteresse e mesmo repúdio por parte de diversas classes de profissionais de saúde, principalmente a enfermagem.
Durante mais de 30 anos aqueles que, pertencentes na sua maioria a corpos de bombeiros e à cruz vermelha, trabalharam arduamente para que esta àrea tivesse um desenvolvimento e o reconhecimento merecido em benefício da vida humana, vêem-se agora remetidos para um papel secundário, sendo tratados como ignorantes e incompetentes. Á custa do trabalho destes nobres Homens, a emergência médica que até aqui não interessava aos senhores doutores e enfermeiros (agora doutores também), transformou-se num trabalho interessante e em alguns casos muito bem remunerado, mas principalmente revelou-se como uma excelente fonte de protagonismo.
Á conta deste interesse súbito verifica-se agora um movimento lobista junto do INEM e Ministério da Saúde, numa tentativa clara de justificar um novo emprego para aqueles que, agora doutores, querem andar montados em bons carros a fazer ti-nó-ni em perfeitos ralis.
O que não se diz é a verdade. O que não se diz é que em Portugal salvar vidas é ILEGAL, uma vez que todos estes novos actores da emergência pré-hospitalar, de forma a justificar a sua presença afirmam o poder legal dos actos praticados neste contexto. Assim, com base em algo que ninguém consegue compreender, o tal acto, que somente serviria para salvar a vida de alguém, não pode ser realizado por aquele desconhecido que é o Zé Bombeiro. Esta personagem representa todos aqueles indivíduos que sem olharem a estas questões, e muitas vezes colocando as suas vidas em risco, aparecem ao lado do doente, acidentado, cidadão anónimo, esteja sol, chuva ou frio, seja Verão ou Inverno, natal ou passagem do ano, prestando naquele momento a ajuda necessária.
Este Zé Bombeiro pode até estar limitado na sua acção, mas não se coíbe de ir a qualquer local fazer aquilo que o deixam, mesmo a sítios que não oferecem a protecção, a privacidade ou mesmo a higiene existente no consultório ou no hospital a que o Sr. Dr. Enfermeiro está acostumado e enraizado. Mas é ali naquele local, possivelmente no meio da montanha ou no curral, que está aquele doente, aquela vítima, agora também vítima de um sistema que somente se alimenta do mediatismo e do protagonismo mas que quando na realidade é necessário não funciona. Sobra assim para aquele, tantas vezes apelidado de incompetente e burro (sem ofensa para este animal), pois, apesar de tudo o que têm dito, é a única ajuda que aquele cidadão anónimo obtém.
Esta verdade escondida pelos nossos governantes e responsáveis é que têm garantido ao Portugal desconhecido, que é composto por homens e mulheres que têm tanto direito como aqueles que habitam as esferas do poder, ao socorro quando realmente dele precisam.
O que não é dito, hoje, é que à conta de um pseudo Ministério da Saúde, estrutura economicista por um lado e estrutura mega despesista por outro, que por sua vez possui um instituto que deveria desenvolver a emergência médica e fracassa nesta sua única missão. À conta das loucuras megalómanas dos seus dirigentes temos assistido ao caminhar para um socorro cada vez mais assimétrico que somente está acessível a quem estes ditatorialmente determinam, demonstrando assim um desconhecimento claro da realidade deste país, composto por pessoas que somente querem ser tratadas como seres humanos que o são, mas que na prática quando longe dos mediáticos centros urbanos são considerados seres de 2ª categoria.
Um sistema que classifica pessoas como animais, como podemos ver nas tradicionais feiras de gado onde os números de cabeças determinam o poder do agricultor, assim é a realidade da saúde do nosso país, em que uma determinada localidade será atendida de forma diferenciada consoante o número de cabeças que lá habitem.
Pessoas que apesar de se manifestarem não são ouvidas, pois as decisões destes governantes mentecaptos são baseadas em valores e números , vivendo assim autisticamente na sua própria realidade , com acessos a tudo e esquecendo por completo o país real.
Por tudo o que se observa neste sector podemos afirmar que já descemos ao nível mais negligente que esta sociedade pode alcançar, verificando por parte destes (ir)responsáveis justificações fundamentadas em verdades desconhecidas, para não dizer claramente mentiras, enganando de uma forma impávida e serena um povo que ainda peca por ser leigo no conhecimento dos seus direitos.
E assim, estes senhores, agora detentores de todas as verdades vêm delapidando o socorro em Portugal, agindo impunemente sem que o cidadão desconhecido se aperceba que realmente deixou de ter acesso a um socorro que até aqui funcionou e que somente precisava de ser melhorado.
Hoje podemos verificar o que eu já tenho denominado por vergonha nacional, sinónimo que somos piores que um país de terceiro mundo, na medida em que estes nalguns casos conseguem fazer mais e melhor pelo seu povo do que na realidade Portuguesa.
Podemos observar a clara falta de aposta na área da emergência pré-hospitalar, através de uma formação feita à pressão para não dizer de injecção, de qualidade duvidosa e muito dispendiosa, conforme afirma um alto funcionário do governo deste país. E ainda vai mais longe ao associar o que na maioria dos países do mundo é considerado um investimento a um factor despesista, roçando ao ridículo as suas comparações entre o valor pago por hora de um formador ao de um professor universitário. Na realidade demonstra que desconhece o que é formar, como também se já ocupou algum poiso de professor universitário o seu vencimento devia ser compatível com as suas parcas competências, clarificadas quer pelas suas atitudes e afirmações como pela forma como tem vindo a (des)organizar a emergência médica.
Infelizmente o que não se sabe é porque é que a maioria dos agentes que prestam socorro tem de sobreviver à custa de migalhas financeiras, muitas vezes obtidas através dos donativos daquele é o principal interessado em ter um socorro de qualidade, que é o cidadão deste país. Este ao ver-se confrontado com o facto de lhe ter sido vedado este direito vê-se obrigado a apoiar e a sustentar duplamente esta actividade, uma vez que se assiste à desresponsabilização dos (ir)responsáveis pelos organismos públicos que utilizam o dinheiro dos contribuintes de uma forma inconsciente, apostando em megalomanias que se assemelham a um sistema esquizofrénico que apenas satisfaz as suas próprias realidades.
Assim, vamos impotentemente assistindo a cada dia que passa ao cataclismo que está a atingir a emergência médica. Actos que somente podem ser classificados de grotescos, sustentados num conjunto de mentiras, mas que à custa da poupança de uns euros, todos os nossos (des)governantes e (ir)responsáveis aplaudem, pactuando conscientemente com aquilo que somente pode ser classificado de uma atitude autista sinónimo de um estado doentio.
E AGORA? Quem socorre o cidadão anónimo? Aquele alguém que por um azar da vida precisa que alguém o socorra, ou que pelo menos alguém que o ouça e o ajude nos seus desabafos sobre uma vida sofrida. Cidadão que, convencido de que do outro lado da linha telefónica, quando marcou 112, ia ter uma voz confortante e orientadora, afinal é atendido por alguém arrogante e mal formado que o manda desenrascar-se. Voz essa que protegida por um sistema autista, escudado em publicidade enganosa, se esqueceu que aquele que acabou de ser humilhado e enxovalhado nos seus direitos apenas precisava de algum apoio, alguma orientação para que saísse daquela situação complicada da melhor forma possível.
Este cidadão, que alimentou durante uma vida este monstro denominado por Estado, que unicamente pretendia que naquele fatídico momento lhe mandassem alguém, nem que fosse para sentir algum apoio no infortúnio da vida, vê agora com frustração que o tal Estado dar-lhe o ultimo empurrão que este precisava para legitimar que em nada já justifica a sua presença neste mundo.
No entanto, este cidadão ainda tem a garantia que o seu corpo inerte, será resgatado por aqueles que, foram simplesmente ignorados ainda que disponíveis para o ajudar, ficando com a última e derradeira tarefa de dar dignidade a alguém que viu simplesmente recusada uma simples ajuda.
Este cidadão anónimo posso ser eu ou aquele que neste momento ainda tem alguma paciência para ler este texto, mas francamente espero que este cidadão seja um dos (ir)responsáveis pertencentes actualmente ao tal Estado, um dos tais (ir)responsáveis do tal instituto, que definiu de uma forma autista as suas próprias regras e impôs as suas vontades a um sistema que afinal funcionava, e que aqueles que o criaram, desenvolveram e o têm sustentado somente pedem são melhores condições para prestar a tal ajuda que todos os cidadãos Portugueses têm direito.
Hoje ao fim de mais de 20 anos, dedicados aos Bombeiros Portugueses, e principalmente a esta área tão nobre que é a emergência médica, é com tristeza que vejo, não um recuo, mas sim a destruição daquilo que custou tanto suor e sangue de muitos milhares de Portugueses: Um sistema de socorro em que o princípio da igualdade, da subsidiariedade e principalmente da dignidade humana estavam garantidos, que tinha problemas devido à inércia dos diversos governantes e ao facto dos mesmos certamente sofrerem de otites crónicas.
Por ultimo pergunto: Até quando iremos assistir impávidos e serenos à venda dos valores que estiveram subjacentes ao nascimento desta nação tão nobre?
Julgo que a continuar, mais vale voltarmos ao passado e dar uns açoites ao Afonso Henriques.
Como já o General Romano dizia: “…naquela Lusitânia existe um povo que não se governa nem se deixa governar…”